sexta-feira, 5 de março de 2010

Entrevista à Enfermeira Maria de Jesus Lage - Clínica de Sto. André





Aqui está parte da entrevista que realizámos à Enfermeira Maria de Jesus Lage, na Clínica de Santo André, em Aguçadoura, no dia 19 de Janeiro de 2010, referente à parte da Esquizofrenia e da Depressão.




Esquizofrenia

Sara: Boa tarde. O tema que estou a tratar no meu grupo é acerca da esquizofrenia. Pode dizer-nos se já lidou com alguém com esquizofrenia?

Enfermeira: Já, já lidei com algumas pessoas com esquizofrenia embora algumas apresentassem uns sintomas, outras outros.


Sara: Quais são os sintomas mais frequentes?

Enfermeira: A esquizofrenia, como eu costumo dizer, é um conjunto de sintomas. E dentro desses sintomas, temos uma área muito vasta de apresentações, por exemplo, as pessoas têm tendência a ter alteração dos pensamentos. Não são pessoas que se concentram numa conversa ou numa actividade, são pessoas que se distraem muito facilmente. E, por isso, tornam a comunicação muito difícil. Além disso, é de referir, por exemplo, as alucinações. Essas pessoas têm muita tendência a tê-las. Mais na área auditiva, as pessoas ouvem vozes e, por vezes, essas vozes estabelecem conversas com elas, outras vezes dão ordens, ou influenciam mesmo as acções delas, muitas sendo agressivas.



Sara: E qual considera ser a melhor forma de lidar com essas pessoas?
Enfermeira: É difícil lidar com essas pessoas, mas eu acho que tem de partir primeiro de uma aceitação. A pessoa deve aceitar a doença e, a partir daí, os familiares devem também fazê-lo. E nós, no fundo, o que procuramos é que a pessoa adira ao tratamento e, a partir daí, controle esse problema, pois é perfeitamente controlável. A pessoa pode ter uma qualidade de vida muito boa.



Sara: Já assistiu a um ataque esquizofrénico?

Enfermeira: Qualquer doente tem esse risco de ter um episódio agudo desta doença. Já assisti a alguns.



Sara: E existiu alguém lesado, que não o paciente?

Enfermeira: Não. Geralmente, as pessoas ao redor dos esquizofrénicos estão preparadas para o que possa acontecer. Já têm, de alguma forma, alguma informação. Quando isso acontece, num contexto diferente, as pessoas chamam uma ambulância e, então, a pessoa é internada enquanto apresenta sintomas agudos. Não é uma pessoa perigosa nem dá para correr qualquer risco.



Sara: Qual é o tratamento mais utilizado em Portugal? E qual o mais eficaz?

Enfermeira: Eu costumo dizer que não há um tratamento eficaz para doença nenhuma. Geralmente há um conjunto de acções que podemos realizar e intervenções que levam a uma melhor qualidade de vida do doente. No caso da esquizofrenia, podemos referir a medicação, porque essas pessoas precisam de a tomar, e é pena que nessa área muitos doentes acabem por abandonar o tratamento por causa dos efeitos secundários, que podem ser muito duros. Temos também o apoio psicossocial. Geralmente, existem associações próprias para esses doentes e para os seus familiares, e é um importante recurso para ajudar a estabilizar a doença.



Sara: Obrigada.





Depressão

Cátia: A minha parte no trabalho é sobre a depressão. Já lidou com alguém, que seja seu paciente ou não, que tenha tido uma depressão?
Enfermeira: Já, várias pessoas. A depressão é uma doença mental que afecta grande parte da nossa população.


Cátia: E sabe dizer quais são as causas mais frequentes associadas?
Enfermeira: A depressão tem múltiplas causas. Depende muito de cada caso, de cada situação mas, em muitos casos, a componente genética é o factor principal. Noutras situações tem a ver, por exemplo, com o uso de fármacos e medicações durante um tempo prolongado que acaba por levar à depressão. Temos, também, o abuso de drogas ou de outras substâncias, como o álcool, que também pode provocar a depressão. Ou então, às vezes, uma vivência traumática, principalmente na infância, como perdas ou mortes.



Cátia: E sabe quais são as faixas etárias mais afectadas pela doença?

Enfermeira: A faixa etária mais afectada é, geralmente, a mais jovem, entre os 15-20 anos, e ainda o jovem adulto, até aos 25-30 anos. Afecta duas vezes mais o sexo feminino.



Cátia: E de que modo a depressão afecta o relacionamento da pessoa com a família, com a sociedade e até consigo próprio?
Enfermeira: A depressão é uma das doenças que mais afecta as relações inter-pessoais. O indivíduo tem tendência a afastar-se e isolar-se de qualquer pessoa ao seu redor. Fecha-se nos seus pensamentos, nos seus medos, e torna muito difícil qualquer contacto. Mesmo na minha profissão, é muito difícil falar com essas pessoas e, geralmente, a comunicação é quase impossível. Tem que ser realizada muito lentamente e com uma avaliação muito rigorosa.



Cátia: E quais são os pensamentos que mais persistem numa pessoa depressiva?

Enfermeira: Uma pessoa depressiva geralmente tem um olhar baixo, anda curvada e os pensamentos são sempre à volta do derrotismo e pessimismo. Geralmente, têm um forte sentimento de culpa, achando que tudo é culpa delas. Por exemplo, sentem-se culpadas até quando chove. Pensam muito na morte e em coisas sempre muito negativas.



Cátia: E de que forma é que podemos ajudar alguém com uma depressão?

Enfermeira: Nós, enfermeiros, temos um papel diferente de qualquer outra pessoa. Mas, por exemplo, se estivermos a falar de vocês, o que podem fazer em relação a alguém que tenha uma depressão é, em primeiro lugar, deixar que a pessoa se expresse, que diga o que pensa, que fale sobre os seus medos, sobre as dificuldades que tem, problemas da sua vida. Às vezes, é o primeiro passo para percebermos o que levou a pessoa àquele estado de espírito. E, a partir daí, apoiá-la, tentar melhorar a sua auto-estima, que é um ponto muito importante; e, se for preciso, encaminhá-la para um psicólogo ou psiquiatra.



Cátia: E os tratamentos da depressão efectuados em Portugal são verdadeiramente eficazes?

Enfermeira: Eu penso que sim. Temos muitos casos de depressão que são solucionados com sucesso, embora essas pessoas tenham sempre tendência a uma recaída. Mas a medicação, como eu referi anteriormente, é muito importante nessa área e também o apoio psicológico.



Cátia: E a duração, no geral, qual é?

Enfermeira: Geralmente, as pessoas têm de fazer o tratamento durante algum tempo, entre 6 a 8 semanas, acompanhada por uma medicação regular. A partir daí, de forma geral, fazemos a prevenção, que são mais 6 meses, para a controlarmos e evitarmos possíveis recaídas.



Cátia: Obrigada.


 Alzheimer e Parkinson

    Fátima: Como reage o paciente e a sua respectiva família quando se diagnostica uma doença  neurodegenerativa como por exemplo o mal de Alzheimer ou a doença de Parkinson?
    Enfermeira:Normalmente essas doenças demoram muito tempo a serem diagnosticadas, porque a maior parte dos sintomas iniciais são normais em qualquer pessoa saudável (esquecimento, falha de memória etc.) e daí ninguém se apercebe que a pessoa tem realmente a doença. Desde o momento que é diagnosticada não uma aceitação imediata, tanto por parte dos familiares como por parte do doente demorando geralmente muito tempo a aceitar dificultando inclusive o tratamento. Após a aceitação as coisas tornam-se muito mais simples.

Fátima:Tem havido avanços na área científica na elaboração de estratégias/medicamentos para a melhoria da qualidade de vida deste tipo de doentes?
    Enfermeira:Sim, tem havido alguns avanços, e tratando-se do comportamento humano há muita vontade por parte dos investigadores para procurar respostas para esses problemas. A nível de medicação já está disponível uma vasta gama para o controlo das referidas doenças existindo também estratégias que se ensinam ao doente e às pessoas que com ele lidam nomeadamente, se por exemplo as pessoas tem falhas de memória devemos dar ordens simples, deixar recados e avisos em locais a que o doente tenha acesso, procurar não criticar os esquecimentos, incentivar o doente a trabalhar a memória

Fátima:Há alguma experiência que a tenha marcado de forma positiva ou negativa?
    Enfermeira: Sim, lembro-me de uma situação de uma senhora com Alzheimer, já de idade, consciente e independente que aos poucos começou a ter perdas de memória de coisas muito simples sendo considerada uma coisa normal pois pode acontecer a qualquer pessoa em qualquer idade e a partir de um momento deixou de reconhecer os próprios filhos, causando-lhes muita angústia e revolta, pois não é fácil entender como é possível uma mãe esquecer-se dos próprios filhos, mas a verdade é que a doença é assim mesmo e leva a pessoa progressivamente a perder a noção total das coisas.

   Fátima:   É verdade que o apoio e o carinho da família tem uma grande importância e é uma grande ajuda para os profissionais de saúde que estão a acompanhar a evolução da doença?
     Enfermeira:Sim, a família é importante em qualquer processo especialmente no caso de doença, e sem a família não era possível trabalhar com o doente, pois os profissionais não convivem com eles diariamente, e essas pessoas que diariamente convivem com os doentes precisam muito de ser trabalhados e a eles que se destina a nossa intervenção: é com eles que falámos, prestámos esclarecimentos e fazemos educação para a saúde para que saibam lidar com os sintomas e tenham noção do que realmente é a doença. Muitas vezes os familiares criam falsas expectativas acerca do doente, desvalorizando os sintomas, achando que estes vão desaparecer e na verdade temos que explicar que não é bem assim, que se trata de uma doença progressiva que acaba por deteriorar aos poucos o doente.

Fátima:Considera que a população portuguesa está informada acerca deste tipo de doenças, ou é na maioria dos casos, necessário explicar tudo ao paciente e à sua família por desconhecimento total e informação acerca do problema?
     Enfermeira:Acho que aos poucos as pessoas se vão informando e tendo uma ideia diferente do que é uma doença mental e neste caso o Alzheimer e o Parkinson, e digamos que se calhar antes viam estas pessoas como nódoas negras na sociedade, não entendiam muito bem como surgiam este tipo de doenças ligadas à saúde mental, mas neste momento acho que estão mais informados.


Fátima:No seu ponto de vista a taxa de incidência desta doença na população portuguesa tem aumentado?
    Enfermeira:Acho que sim, cada vez menos a população portuguesa trabalha a memória, temos inúmeras coisas ao nosso alcance que tornam a memória um pouco preguiçosa, por exemplo, a calculadora, os telemóveis e outros tipos de tecnologias que se lembram das coisas por nós, ou seja não somos nós a fazer esse esforço o que leva ao aumento deste tipo de doenças a longo prazo numa idade mais avançada.







2 comentários:

  1. Oiii Gostaria de saber como é o papel do enfermeiro para ajudar pessoas com depressao?

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  2. Neste caso específico, a enfermeira tinha experiência dado que trabalhou numa clínica psiquiátrica e hoje em dia trabalha numa clínica onde existe um gabinete que dispõe de acompanhamento psicológico, que é o mais indicado nestes casos. O papel do enfermeiro, é essencialmente o apoio ao próprio profissional especializado (psicólogo/psiquiatra).
    Na relação terapêutica, as intervenções de enfermagem são o veículo para ampliar as interacções positivas da pessoa com o ambiente, assim como promover seu bem-estar físico e melhorar a percepção de si próprio.
    As intervenções de enfermagem podem passar por:

    - Manter um relacionamento o mais “normal” possível;

    - Demonstrar à pessoa que deve decidir tratar e melhorar aquilo que está a sentir, pois as pessoas deprimidas por vezes consideram que procurar / aceitar ajuda não fará nenhuma diferença;

    - Demonstrar afecto, com palavras reconfortantes, mas não corroborar numa possível vitimização por parte da própria pessoa;

    - Evitar a superprotecção;

    - Trabalhar com foco no aumento da auto-estima, desenvolvendo actividades que leve a pessoa a se auto-valorizar e estimular para que se responsabilize por si mesmo;

    - Utilizar o reforço positivo, mostrando que respeitamos e valorizamos a pessoa;

    - Não criticar ou censurar a pessoa pela sua sintomatologia deprimida;

    - Não dizer ou fazer algo que possa piorar a imagem negativa que a pessoa já tem de si mesma;

    - Utilizar técnicas de relaxamento muscular;

    - Discutir as experiências, relacionamentos, acontecimentos e sentimentos que são importantes à pessoa, num esforço para esclarecer as áreas de dificuldade na vida da pessoa deprimida;

    - Pedir à pessoa que enumere os aspectos positivos e negativos da vida desta, as pessoas significativas, e discutir o assunto. O objectivo é demonstrar à pessoa que nem tudo é mau, e que muitas outras pessoas têm esses sentimentos, evidenciando bastante os aspectos positivos enumerados e as pessoas significativas, e relembrando esses mesmos aspectos positivos e essas pessoas significativas noutros momentos terapêuticos, em função contexto;

    - Levar muito a sério qualquer ideia sobre suicídio, e informar toda a equipa terapêutica;

    - Envolver sempre a família ou pessoas significativas, desde que estas sejam facilitadoras da relação terapêutica e aceites pela pessoa deprimida, esclarecendo as suas dúvidas e evidenciando o seu papel importante na recuperação da pessoa deprimida.

    Esperamos ter esclarecido a sua dúvida. Se tiver mais alguma questão será um prazer responder.

    Obrigada :)

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