sexta-feira, 30 de abril de 2010

Relato de familiares de um doente de Alzheimer.

A nossa avó materna, com a qual vivemos parte importante da nossa infância, desenvolveu os sintomas (nomeadamente perda de memória, confusão mental e delírios) desta doença, que, com o decorrer do tempo, lhe retirou características pessoais, que a definiam. A família, no início, considerou
que seria algo normal, até pela idade e ignorou certos avisos que lhe foram transmitidos. Os sintomas desta doença são múltiplos (...).
Quando nos deparamos com o agravamento dos sintomas foi-nos impossível ignorar a doença, sendo necessário então lidar com uma avó desconhecida. Melhor dizendo, nós tornamo-nos desconhecidas aos seus olhos, assim como, ela se tornou desconhecida aos nossos olhos, e isso é bem mais doloroso,
porque nos recordamos do passado, contrariamente a ela. O facto de estarmos envolvidas com áreas profissionais, de grande sensibilidade para problemas de saúde mental, ajudou-nos a conseguir reagir perante a situação e a compreendê-la, mas não deixa de ser uma situação dolorosa. Apesar de termos formação (enfermagem – Especialidade em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria e Psicologia), seremos sempre netas e seres humanos que estamos a presenciar a alteração da vida e personalidade de uma pessoa, que até então conhecíamos relativamente bem.
Tal como tantas pessoas a quem temos de dar o nosso apoio, como profissionais que somos, perguntamos onde está a avó que torrava o pão directamente na grelha do grelhador? Ou a avó que aos domingos nos acordava com a simples pergunta: “estás a dormir?”, se a resposta era positiva, então deixava que a hora do almoço chegasse, para aí sim nos fazer levantar da cama... temos saudades de ser acordadas dessa forma tão própria... e que tanto nos incomodava.
O que se sente perante a deterioração de um familiar? Talvez a melhor palavra que descreve o que sentimos seja a impotência, pois o adversário (Alzheimer) exige batalhas duras e as vitórias são difíceis de alcançar. Um dos sintomas que mais assusta e que, talvez, provoque mais sofrimento é a perda progressiva de memória. É difícil aceitar que uma pessoa que nos viu crescer deixou de nos conhecer ou que confunde sistematicamente a nossa história familiar. É necessário fazer uso de toda a tolerância e compreensão para lidar com esta modificação no comportamento da pessoa, que sofre bastante com esta alteração.
Numa das últimas visitas perguntou de onde éramos... já estávamos habituadas a alguma confusão, às vezes não sabia muito bem quem era a Sandra e quem era a Orquídea, mas esta foi a prova de que já não éramos as suas netas. Não foi um choque... foi um misto de tristeza e ao mesmo tempo ternura. Ternura? Sim, pois apesar de não nos reconhecer, não deixou de se interessar pelas pessoas que estavam na sua presença...
Outro sintoma que é delicado para os familiares são os delírios que podem surgir. Apesar de sabermos que não devemos entrar no delírio, torna-se complicado chamar a pessoa para a realidade. Também da história da nossa avó fazem parte um sem número de delírios... quase sempre relacionados com
crianças (toda a sua vida esteve rodeada de crianças: filhos, netos, vizinhos). Assistimos-lhe, por vezes a um sofrimento atroz, devido aos delírios, mas pouco ou nada conseguimos fazer... demos conforto, carinho, que ela nunca deixou de aceitar. O Alzheimer é desgastante para o indivíduo, mas também para aqueles que o rodeiam e, em especial, dos cuidadores que se tornam imprescindíveis. Muitas vezes, o indivíduo conseguia ser autónomo e a perda desta autonomia também não deve ser ignorada. Os cuidadores estão perante uma situação exigente, que leva à exaustão, muitas vezes psicológica, devido às sucessivas disputas que é necessário travar com a doença, outras vezes física, devido a todos os cuidados necessários, que o doente acaba por não ser capaz de executar.
Sendo um facto que a saúde mental é, por vezes, negligenciada, parece-nos importante realçar que a saúde mental é um aspecto crucial para o bem-estar geral do ser humano. Este testemunho de duas profissionais da área, mas acima de tudo Netas, serve para partilhar sentimentos com outros profissionais, as nossas dificuldades, os nossos medos e também algumas estratégias, para que consigam ajudar cada vez melhor as famílias que todos os dias lhes pedem auxiliam. Ainda para demonstrar a outros familiares que não estão sós, nos seus sentimentos, nas suas dúvidas, no seu desespero...
Que estratégias utilizar perante uma situação semelhante?
Procurar aconselhamento(...), mas nunca deixar de amar, cuidar, dar afecto, carinho, recordar-lhes o passado (mas ter consciência que pode ser um dar muito e receber pouco)... São estratégias que deverão estar sempre presentes na prescrição terapêutica às nossas famílias sofredoras.
O que fazer perante sintomas iniciais? Procurar ajuda profissional, sem nunca desvalorizar os sinais transmitidos.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010